sábado, 11 de abril de 2009

Seminário Os ratos, de Dyonelio Machado

MACHADO, DYONÉLIO

Os ratos


1934
Naziazeno está devendo para o leiteiro 53 mil-réis.
Notar a esposa e os vizinhos, que espiam suas brigas. A esposa, Adelaide, não trabalha. Naziazeno tenta convencer a mulher, e também a si mesmo, de que o leite é tão supérfluo quanto a manteiga e o gelo, cujo fornecimento fora anteriormente cortado. O leite é seu último luxo.
Ela: “tu não vês que uma criança não pode passar sem leite?...” 10
Naziazeno ama o filho.

Naziazeno também ama a esposa, com seu jeito tímido, mas “A sua mulher encolhida e apavorada é uma confissão pública de miséria humilhada, sem dignidade – da sua miséria.” 26
“Também a sua mulher com os outros é tímida, tímida demais. Fosse a mulher do amanuense, queria ver se as coisas não marchariam doutro modo. Ela se encolhe ao primeiro revés. Foi esse ar de ingenuidade, de fraqueza que o tentou, bem se recorda. E como não havia de se recordar, se é ainda esse mesmo ar de fraqueza, de pudor, de coisa oculta e interior que lhe alimenta o amor, a voluptuosidade? Mas é um mal na vida prática. Ele precisava de um ser forte a seu lado. Toda a sua decisão se dilui quando vê junto de si, como nessa manhã, a mulher atarantar-se, perder-se, empalidecer. É o primeiro julgamento que ele recebe [...] A sua mulher encolhida e apavorada é uma confissão pública de miséria humilhada, sem dignidade – da sua miséria.” 19
Notar que o que se repete na cabeça de Naziazeno é a esposa repisando o que o leiteiro dissera: que iria deixar de trazer o leite se não pagassem. 20
Naziazeno mortifica-se por ter de pedir dinheiro adiantado ao chefe. Já pedira uma vez para pagar injeções necessárias ao filho doente.
O Duque: “um batalhador. Tem a experiência... da miséria.” 24
“Além do mais, um jornal é útil, numa ‘situação dessas’. É pelo menos o que pensa o Duque, que sempre percorre certos anúncios do jornal... Mas não, ele não saberia tirar coisa nenhuma do jornal.” 26
“ele faz (desta vez, como de outras) deste negócio – o ponto único, exclusivo, o tudo concentrado da sua vida. Assim foi quando da volta do filho à saúde.” 30
ANTES DE FALAR COM O CHEFE: “A luzinha, Naziazeno, de volta do cais, ainda a acompanha, no seu pisca-pisca, até que, num ângulo de rua, ela desaparece, oculta no casario.” 30 PLATÃO, DE NOVO, COM SUA ALEGORIA DA CAVERNA.
O livro também mostra o modo como o funcionalismo público opera (ou não opera) no Brasil. “O caminho é aberto entre maquinarias, materiais, ferros. Muita coisa se deteriora à intempérie.” p. 34
“O trabalho de Naziazeno é monótono: consiste em copiar num grande livro cheio de ‘grades’ certos papéis, em forma de faturas. É preciso antes submetê-los a uma conferência, ver se as operações de cálculo estão certas. São ‘notas’ de consumo de materiais, há sempre multiplicações e adições a fazer. O serviço, porém, não exige pressa, não necessita ‘estar em dia’. – Naziazeno ‘leva um atraso’ de uns bons dez meses.” p. 32-33
Ele não tem nada para empenhar, exceto a roupa do corpo.
O relógio da prefeitura “parece-lhe uma cara redonda e impassível...” 37
Saiu para aconselhar-se com o Duque, porque o diretor da repartição não estava. Encontra Alcides, que parece tentar ajudar. Aconselha a não édir dinheiro para o chefe.
O Fraga é o vizinho de Naziazeno.
Notar a grande quantidade de reticências...
Naziazeno se pergunta porque não aproveitava o tempo para fazer biscates: “Mas onde estão os negócios? Onde estão? Ele nunca ‘via nada’, era a aptidão que lhe faltava...”44
Alcides toma uma atitude: jogará no bicho enquanto Naziazeno tenta emprestar dinheiro com o diretor.
Naziazeno sabe que se pedir aos colegas não receberá. “’vê-se’ no meio da sala, atônito, sozinho, olhano pra os lados, pra todos aqueles fugitivos, que se esgueiram, que se somem com pés de ratos...” Eles também são como ratos, todos eles.
“Aquele canto de sarjeta tem o que ele nunca mais encontrou no seu mundo: o repouso feliz, o aconchego humano, seguro e imutável. Ele quer ir!” 47
O diretor da repartição recusa o adiantamento na frente de todos os colegas, que riem. “Naziazeno espera que ele lhe dê as costas, vá reatar a palestra interrompida, aquelas observações sobre a questão social, comunismo e integralismo.” p. 48 (notar a ironia) O Diretor dissera o NÃO olhando para todos, mas sem fitar Naziazeno.
“Tudo mais desapareceu da cabeça de Naziazeno: só ficou o diretor, com o olhar aceso e a cara de pedra, dizendo-lhe aquilo. Os risos do Dr. Rist e dos outros, as fisionomias enrugadas de prazer, haviam-lhe chegado ao olhar e à compreensão como coisas soltas no espaço, sem ‘fundo’ e sem meio ambiente; curvada sobre ele, dura e estranha, a pessoa do diretor enche-lhe toda a visão...” 50-51
“Idealizar outro plano? Tem uma preguiça doentia. A sua cabeça está oca e lhe arde, ao mesmo tempo.” 53
Vai à casa o Andrade tentar cobrar uma comissão que este deve ao Alcides. 58 Tivera esperança de conseguir... Na 60, ela desvanece, antes de chegar...
59
68 Ele está pensando novamente no almoço...
69 Decide ir falar com Mister Rees, que era de quem Alcides podia receber aquela tal comissão, conforme o Andrade lhe dissera. Mas o Rees está viajando, no Rio, e Naziazeno fica aliviado, pois ficara nervoso, não saberio o que dizer se ficasse diante dele.
Está faminto. “É preciso comer...” 70
O tempo é marcado como o pensamento (descontínuo). Repare na angústia presente na estrutura: RECIPROCIDADE ENTRE CONTEÚDO E FORMA, ou seja, o narrador tem a intenção de nos fazer sentir a angústia por que passa o personagem.
Naziazeno pede dez mil réis a um amigo para o almoço. Recebe apenas cinco. Pensa em jogar os cinco para vê-los multiplicarem-se. Pensa em tomar um café, mas acaba pedindo água.
Deposita tudo no 28. GANHA. Recebe 75 mil réis. “Tudo resolvido assim num segundo... Fita a cara do croupier, olha pra os lados!... Estará mesmo neste mundo? neste dia?...”
Compra fichas. Acaba perdendo tudo. A roleta conclui seu ciclo.
O capítulo 13 é o do jogo. Perfeito.
Pede emprestado a mais outro, que também lhe nega. 96
99
101 O sol como “moeda em brasa”.
Notar que enquanto Naziazeno, faminto e angustiado, caminha pela cidade, vai reparando no luxo das casas e dos automóveis. E ele com fome. Angustiado e faminto, cercado pelo luxo que é dos outros.
Reencontra com Alcides. Fica tonto. Está faminto, é natural que fique tonto. Pede apenas um cafezinho.
Consegue falar com Duque.
“Nazizazeno ‘vê’ o sol, uma moeda em brasa suspensa num vapor avermelhado e espesso.” 109 Notar que o verbo ver, quando atrivuído a Naziazeno, aparece entre aspas.
“Duque volta-se inteiramente para o lado de Naziaaeno. Avança-lhe um focinho sereno e atento. O olhar tem uma fixidez meio triste.” 111
“Ao seu lado, Naziazeno ergue-lhe um focinho humilde. Vai fazendo gestos de aquiescência com a cabeça.” 114
“Os quadros mais disparatados passam pela imaginação de Naziazeno. [...] É a seu pesar que essas imagens se metem na cabeça, porque ele não quer pensar... não quer pensar...” 114
Ele recomenda um agiota. O agiota, ao qual dirigira-se o Alcides, não empresta.
O “dr.” Mondina, amigo do Duque, também não empresta.
Duque vai com Naziazeno a outro agiota. Este também não empresta. Vão a outro. Que também não empresta.
Notar que Duque e Alcides tentam ajudar Naziazeno.
Vão desempenhar um anel e tentar empenhá-lo por uma quantia maior, mas a casa de penhores já está fechada.
Notar o ridículo dos quatro, Duque, Mondina, Alcides e Naziazeno, entrando na casa do dono da casa de penhores para propor-lhe negócio.
Agora andam os cinco para a casa de penhores. Resgatam o anel com dinheiro emprestado por Mondina.
Tentam empenhar o anel num joalheiro. Não conseguem: ele recusa o negócio.
Naziazeno pensando na mulher: “o seu ar de pobreza, aquele focinho quieto e manso que vem ali a seu lado, tiram-lhe qualquer ilusão. Um freio e um amargo sobem-lhe pelas vísceras acima...” 117
Duque e Naziazeno vão pedir dinheiro ao Fernandes. Depois ao Assunção. De um agiota a outro.
118
121
Notar a determinação de Alcides e Duque em ajudar Naziazeno. O Mondina vai junto, esperando lucrar alguma coisa com a desgracença do outro.
Chegam à casa do agiota Martinez. 126 Esperam no topo da escada, pisoteando-se. Acompanham-no à casa de penhor.
Uma mole, um tropel. Recuperam o anel.
“Martinez toma o rumo da praça. Lá vão os seus pés, num martelar ligeiro e miudinho.” Ver página.
Vão ao Dupasquier empenhar o anel. Não dá certo.
A transação está difícil. O “dr.” Mondina não tem interesse em outro negócio pois parece um truque, ele quer ganhar com garantias...
“É um sono o que tem agora Naziazeno. É só um sono...” 142
143 Naziazeno chega em casa já noite, com os embrulhos. A mulher pergunta-lhe do dinheiro. Ela enrubece com a manteiga. Ele também reavera o sapato dela, há muito tempo no sapateiro. Ele trouxe também queijo e um brinquedinho para o filho, leões, símbolo de ressurreição (Naziazeno – Nazareno, ele um Cristo na era do capitalismo). O brinquedo é de criança pequena, mas o menino já tem quatro anos. Contudo quatro anos desnutridos que mal valem por dois.
“- Tive um dia brabo hoje, Adelaide.” 151 “- Depois te conto. Não sabes como m custou esse dinheiro. Mas está aqui.”

Arranjara emprestado com o Duque e o Alcides. Não tem prazo para devolver.
156 Agora ele reflete, tranquilo.
158 Desiste de ler alguma coisa.
159 A dor, e ele não conseguira saber o que era aquela “luzinha”.
160 De novo a claridade. Parece Insônia, do Graciliano. 162 O relógio, a modorra. Ele não têm relógio em casa.
A mulher ronca. Adormecera imediatamente.
Notar que não houve nenhum carinho por parte de nenhum dos dois antes de dormirem, nem em momento algum. Naziazeno sente-se sozinho deitado, ainda que ao lado da esposa, “num temor vago e pueril das surpresas das sombras, da solidão...” p. 130
Naziazeno sente que quer bem ao leiteiro por ter-lhe proporcionado aquela satisfação, mas sobretudo por permitir-lhe perceber que tinha amigos que se dispunham em valer-lhe nas horas de aperto.
p. 174 Naziazeno lembra que um dia, à hora do almoço, encontrara o leiteiro em casa... Notar seu ciúme e desconfiança.
Naziazeno lembra que o Mondina não tinha troco, só levava consigo notas graúdas (quando pegara o anel).
“É estranho: um cansaço tão grande e não conseguir conciliar o sono...” 163
Tenta fixar a ideia num círculo, “um círculo luminoso”. 165
165
“Amanhã vai falar à mulher. Vai ver se dão um jeito naquela luz. É ela que não o está deixando dormir.” 167
“O que é que vai fazer para dar uma solução definitiva à sua vida? O que é?” 168
“Sente o estômago repleto, a cabeça fortalecida.” 172
A mulher NANA o filho de quatro anos! Porque ele principiara um choro tímido.
“O zumbido dum mosquito descreve um arco (um arco!) por cima da su cabeça...” 174
“Um jornal... Duque sabe tirar partido da leitura dum jornal... Certos anúncios... Não pode imaginar como. / Ele não saberia fazer nada com o jornal.” 178
“Duque então se volta para Naziazeno. / O seu focinho é sereno. O dorso meio curvo, um tanto baixo...” 181
183 Descrição do local onde Naziazeno mora.
Notar que, tendo o dinheiro, há outra odisseia para trocá-lo e obter os miúdos. Emprestaram 65 mil-réis para Naziazeno.
Capítulo 26 – Naziazeno se lembrando do dia.
Quase no final, enquanto Naziazeno se esforça para conseguir dormir, ouve (ele ouve) o guincho miudinho de ratos. “A casa está cheia de ratos...” 190
Notar que ele quer levantar-se, mas hesita. Acaba não levantando. “Os ratos vão roer – já roeram! – todo o dinheiro!...” 190 Esta parte é perfeita, ele só escuta, assustado mas impotente.
191
O leiteiro despeja o leite.
“Fecham furtivamente a porta... Escapam passos leves pelo pátio... Nem se ouve o portão bater...
E ele dorme.” 157
ESTE FINAL É ABSOLUTAMENTE PERFEITO.


Observações:
28 capítulos que narram um único dia.
“nota-se que a história se subjetiviza segundo a perspetiva da personagem, mediantea narração em estilo indireto livre, que molda o mundo a partir do prisma de quem o vê.” 201 “existência como dolorosa caminhada.” 202
NOTAR A CIDADE: “Ela pode ameaçar Naziazeno, como um bloco inteiriço ou pelas brechas do tempo que se escoa; por vezes, é o lugar da solidão e da estranheza, da rua que parece outra, do deserto onde ele se perde e sonha em vão com o retorno à casa.” 202
“A alegoria política é só uma das possibilidades de significação da narrativa. Mais radical é a metáfora da existência degradada pela alienação [...], pela perda da própria substêancia humana, que acaba por reduzir o homem à condição inferior, à deformidade social e psicológica, confundindo-o, enfim, com o animal mais vil.” 207
Sugere que Naziazeno é “o que” se dará com Fabiano quando este chegar à cidade, conforme sonhava.
Ao contrário da maioria dos outros livros do gênero, em Os ratos o protagonista tem um emprego.
Notar os círculos, inclusive a roleta do cassino, o sol como moeda em brasa, o voo do mosquito.
O mito de Sísifo, da mitologia grega (fazer todos os dias a mesma coisa).
Notar os símbolos.
Drama da pequena burguesia brasileira.
Violação contínua da personalidade.
Narrativa sobre o indivíduo anônimo.
Uma nova ficção urbana.
Monotonia e angústia impressa na forma do texto: reciprocidade.
Profundo desgaste existencial da personagem.
Os ratos (isto, aquilo, este, aquele etc.) e o dinheiro como limites na vida de Naziazeno.
A busca pelo imediato e a impossibilidade de perceber a profundidade do drama: alienação.
A moeda e o trabalho (o sistema) anulando o sujeito.
Notar que Naziazeno não é paupérrimo, o que torna a crítica mais aguda, porque o autor não está falando dos extremos, e sim da classe média da época.
Notar também que o problema é particular, não é a seca ou a chuva, refere-se ao indivíduo.
Naziazeno não é um tipo, porém os personagens que estão à sua volta são.
Notar também que parece haver cenas em câmera lenta (talvez uma influência do cinema (?).
Não se resolve o problema da existência, somente o do leiteiro.

Seminário Vidas Secas, de Graciliano Ramos


RAMOS, GRACILIANO
VIDAS SECAS


Comparar com Os ratos, de Dyonélio Machado: “Ele [Fabiano], a mulher e os filhos tinham-se habituado à camarinha escura, pareciam ratos [...]” 18

O menino mais velho não consegue mais caminhar. “O pirralho não se mexeu, e Fabiano desejou matá-lo. Tinha o coração grosso, queria responsabilizar alguém pela sua desgraça. A seca aparecia-lhe como um fato necessário, e a obstinação da criança irritava-o. Certamente esse obstáculo miúdo não era culpado, mas dificultava a marcha, e o vaqueiro precisava chegar, não sabia onde.” 10
Acaba carregando o menino.
“Ainda na véspera eram seis viventes, contando com o papagaio. Coitado, morrera na areia do rio, onde haviam descansado, à beira de uma poça: a fome apertara demais os retirantes e por ali não existia sinal de comida.” 11
“Sinha Vitória, queimando o assento no chão, as mãos cruzadas segurando os joelhos ossudos, pensava em acontecimentos antigos que não se relacionavam: festas de casamento, vaquejadas, novenas, tudo numa confusão.” NOTAR que ela pensa em coisas que lhe deram prazer, no passado, não na seca, no presente. Ela, porém, é quem resolve aproveitar o papagaio como alimento: “justificara-se declarando a si mesma que ele era mudo e inútil.” 12
Chegam “no pátio de uma fazenda sem vida. [...] tudo anunciava abandono.” 12
“Miudinhos, perdidos no deserto queimado, os fugitivos agarraram-se, somaram as suas desgraças e os seus pavores. O coração de Fabiano bateu junto do coração de sinha Vitória, um abraço cansado aproximou os farrapos que os cobriam. Resistiram à fraqueza, afastaram-se envergonhados, sem ânimo de afrontar de novo a luz dura, receosos de perder a esperança que os alentava.” 14
14 Baleia traz-lhes um preá que caçara nas redondezas: “Aquilo era caça bem mesquinha, mas adiaria a morte do grupo. E Fabiano queria viver.” 14
Fabiano “Pensou na família, sentiu fome caminhando, movia-se como uma coisa, para bem dizer não se diferençava muito da bolandeira de seu Tomás.” 15
“Ia chover. Bem. A catinga ressuscitaria, a semente do gado voltaria ao curral, ele, Fabiano, seria o vaqueiro daquela fazenda morta. Chocalhos de badalos de ossos animariam a solidão. Os meninos, gordos, vermelhos, brincariam no chiqueiro das cabras, sinha Vitória vestiria saias de ramagens vistosas. As vacas povoariam o curral. E a catinga ficaria toda verde.” 15 Fabiano imaginando em discurso indireto livre.
NOTAR ESTE DISCURSO INDIRETO LIVRE.
Fabiano “agitava os braços para a direita e para a esquerda. Esse movimentos eram inúteis, mas o vaqueiro, o pai do vaqueiro, o avô e outros antepassados mais antigos haviam-se acostumados a percorrer veredas, afastando o mato com as mãos. E os filhos já começavam a reproduzir o gesto hereditário.” 17-18
18 Fabiano afirma a si mesmo que é um homem. E depois rejeita sua afirmação, refuta-a, conclui que é um bicho.
O patrão voltara, expulsara-os. Fabiano ofereceu seus serviços e ficaram. 19 O patrão mora na cidade.

“O corpo do vaqueiro derreava-se, as pernas faziam dois arcos, os braços moviam-se desengonçados. Parecia um macaco.” 19
Fabiano “Vivia longe dos homens. Só se dava bem com os animais.” 20
Fabiano sequer compreende o que os filhos lhe perguntam. Nestes momentos, repreende-os. 20
“Admirava as palavras compridas e difíceis da gente da cidade, tentava reproduzir algumas, em vão, mas sabia que elas eram inúteis e talvez perigosas.” 20
Vai falar com sinha Vitória sobre a educação dos meninos. “eles estavam perguntadores, insuportáveis. Fabiano dava-se bem com a ignorância. Tinha o direito de saber? Tinha? Não tinha.” “Se aprendesse qualquer coisa, necessitaria aprender mais, e nunca ficaria satisfeito.” 22

“Seu Tomás da bolandeira falava bem, estragava os olhos em cima de jornais e livros, mas não sabia mandar: pedia. Esquisitice um homem remediado ser cortês. Até o povo censurava aquelas maneiras. Mas todos obedeciam a ele. An! Quem disse que não obedeciam?
Os outros brancos eram diferentes. O patrão atual, por exemplo, berrava sem precisão. Quase nunca vinha à fazenda, só botava os pés nela para achar tudo ruim.” 23
“Sinha Vitória desejava possuir uma cama igual à de seu Tomás da Bolandeira. Doidice. Não dizia nada para não contrariá-la, mas sabia que era doidice. Cambembes podiam ter luxo? E estavam ali de passagem.” 23
Explicação ao Jeca Tatu: “A desgraça estava em caminho, talvez andasse perto. Nem valia a pena trabalhar. Ele marchando para casa, trepando a ladeira, espalhando seixos com as alpercatas – ela se avizinhando a galope, com vontade de matá-lo.” 24

“Não, provavelmente não seria homem: seria aquilo mesmo a vida inteira, cabra, governado pelos brancos, quase uma rês na fazenda alheia.” 24 Fabiano transcenderá nos filhos: “Mas depois? Fabiano tinha a certeza de que não se acabaria tão cedo. Passara dias sem comer, apertando o cinturão, encolhendo o estômago. Viveria muitos anos, viveria um século. Mas se morresse de fome ou nas pontas de um touro, deixaria filhos robustos, que gerariam outros filhos.”


Os filhos, “se não calejassem, teriam o fim de seu Tomás da bolandeira. Coitado, Para que lhe servira tanto livro, tanto jornal? Morrera por causa do estômago doente e das pernas fracas.” 25
Na cidade, Fabiano tem a sensação de que todos os vendedores o enganam. Esta sensação será também sua ruína.
Vai jogar o trinta e um com o soldado, obedecendo. “Levantou-se e caminhou atrás do amarelo, que era autoridade e mandava. Fabiano sempre havia obedecido. Tinha muque e substância, mas pensava pouco, desejava pouco e obedecia.” 28
Fabiano se irrita porque perdeu. Não sabe o que dirá para sinha Vitória. Não tem imaginação para mentir.
É insultado por ter saído da bodega sem se despedir, o soldado pisa-lhe sobre os pés. Fabiano, xingando a mãe do soldado, acaba detido por outros chamados por este. 31
“Por que tinham feito aquilo? Era o que não podia saber. Pessoa de bons costumes, sim senhor, nunca fora preso. De repente um fuzuê sem motivo. Achava-se tão perturbado que nem acreditava naquela desgraça. Tinham-lhe caído todos em cima, de supetão, como uns condenados. Assim um homem não podia resistir.” 31
“Por mor de uma peste daquela [o soldado amarelo], maltratava-se um pai de família.” 32
“E, por mais que forcejasse, não se convencia de que o soldado amarelo fosse governo. Governo, coisa distante e perfeita, não podia errar. O soldado amarelo estava ali perto, além da grade, era fraco e ruim, jogava na esteira com os matutos e provocava-os depois. O governo não devia consentir tão grande safadeza.” 33
“Tinham lá coragem? Imaginou o soldado amarelo atirando-se a um cangaceiro na catinga. Tinha graça. Não dava um caldo.” 34
“E Fabiano aperreava por causa dela, dos filhos e da cachorra Baleia, que era como uma pessoa da família, sabida como gente.” 34

“Era bruto, sim senhor, nunca havia aprendido, não sabia explicar-se. Estava preso por isso? Como era? Então mete-se um homem na cadeia porque ele não sabe falar direito? “ “Tinha culpa de ser bruto? Quem tinha?” 35
“Se não fosse aquilo... Nem sabia. O fio da idéia crescendo, engrossou – e partiu-se. Difícil pensar. Vivia tão agarrado aos bichos... Nunca vira uma escola. Por isso não conseguia defender-se, botar as coisas nos seus lugares. O demônio daquela história entrava-lhe na cabeça e saía. Era para um cristão endoidecer. Se lhe tivessem dado ensino, encontraria meio de entendê-la. Impossível, só sabia lidar com bichos.” 35
“Agora Fabiano conseguia arranjar as idéias. O que o segurava era a família. Vivia preso como um novilho amarrado ao mourão, suportando ferro quente. Se não fosse isso, um soldado amarelo não lhe pisava o pé não. O que lhe amolecia o corpo era a lembrança da mulher e dos filhos. Sem aqueles cambões pesados, não envergaria o espinhaço não, sairia dali como onça e faria uma asneira. Carregaria a espingarda e daria um tiro de pé de pau no soldado amarelo. Não. O soldado amarelo era um infeliz que nem merecia um tabefe com as costas da mão. Mataria os donos dele. Entraria num bando de cangaceiros e faria estrago nos homens que dirigiam o soldado amarelo. Não ficaria um para semente. Era a idéia que lhe fervia na cabeça. Mas havia a mulher, havia os meninos, havia a cachorrinha.” 37
“Sinha Vitória dormia mal na cama de varas. Os meninos eram uns brutos, como o pai. Quando crescessem, guardariam as reses de um patrão invisível, seriam pisados, maltratados, machucados por um soldado amarelo.” 37
Sinha Vitória “Deu um pontapé na cachorra, que se afastou humilhada e com sentimentos revolucionários.” 40

A cama de vara X cama de lastro de couro. 40

Sinha Vitória pensando: “Agora pensava no bebedouro, onde havia um líquido escuro que bicho enjeitava. Só tinha medo da seca.
Olhou de novo os pés espalmados. Efetivamente não se acostumava a calçar sapatos, mas o remoque de Fabiano molestara-a. Pés de papagaio. Isso mesmo, sem dúvida, matuto anda assim. Para que fazer vergonha à gente. Arreliava-se com a comparação.
Pobre do papagaio. Viajara com ela, na gaiola que balançava em cima do baú de folha.” 43
“Bem no meio do catre havia um nó, um calombo grosso na madeira. E ela se encolhia num canto, o marido no outro, não podiam estirar-se no centro. A princípio não se incomodara. Bamba, moída de trabalhos, deitar-se-ia em pregos. Viera, porém, um começo de prosperidade. Comiam, engordavam. Não possuíam nada: se se retirassem, levariam a roupa, a espingarda, o baú de folha e troços miúdos. Mas iam vivendo, na graça de Deus, o patrão confiava neles – e eram quase felizes. Só faltava uma cama. Era o que aperreava sinha Vitória. Como já não se estazava em serviços pesados, gastava um pedaço da noite parafusando. E o costume de encafuar-se ao escurecer não estava certo, que ninguém é galinha.” 45
Ela pensando: “Por que não tinham removido aquela vara incômoda? Suspirou. Não conseguiam tomar resolução. Paciência. Era melhor esquecer o nó e pensar numa cama igual à de seu Tomás da bolandeira.” 45
Ela estava “certa de que o marido se satisfazia com a idéia de possuir uma cama. Sinha Vitória desejava uma cama real, de couro e sucupira, igual à de seu Tomás da bolandeira.” 46

O menino mais novo: “A idéia surgiu-lhe na tarde em que Fabiano botou os arreios na égua alazã e entrou a amansá-la. Não era propriamente idéia: era o desejo vago de realizar qualquer ação notável que espantasse o irmão e a cachorra Baleia.
Naquele momento Fabiano lhe causava grande admiração. Metido nos couros, de perneiras, gibão e guarda-peito, era a criatura mais importante do mundo. As rosetas das esporas dele tilintavam no pátio; as abas do chapéu jogado para trás, preso debaixo do queixo pela correia, aumentavam-lhe o rosto queimado, faziam-lhe um círculo enorme em torno da cabeça.” 47

“Sinha Vitória cachimbava tranqüila no banco do copiar, catando lêndeas no filho mais velho. Não se conformando com semelhante indiferença depois da façanha do pai, o menino foi acordar Baleia, que preguiçava, a barriguinha vermelha descoberta, sem vergonha. A cachorra abriu um olho, encostou a cabeça à pedra de amolar, bocejou e pegou no sono de novo.” 48
51 O menino mais novo monta o bode para imitar o que Fabiano fizera com a égua. O irmão ri de seu tombo, e Baleia observa desaprovando.
52 Confirma a reprodução – o filho igual ao pai: “Olhou com raiva o irmão e a cachorra. Deviam telo prevenido. Não descobriu neles nenhum sinal de solidariedade: o irmão ria como um doido, Baleia, séria, desaprovava tudo aquilo. Achou-se abandonado e mesquinho, exposto a quedas, coices e marradas.”

O menino mais velho pergunta sobre o inferno. 55
56 A divindade, para Baleia, é “o osso...” “A cachorra Baleia acompanhou-o [o menino mais velho] naquela hora difícil [fora escorraçado pela mãe ao perguntar-lhe sobre o inferno]. Repousava junto à trempe, cochilando no calor, à espera de um osso. Provavelmente não o receberia, mas acreditava nos ossos, e o torpor que a embalava era doce. Mexia-se de longe em longe, punha na dona as pupilas negras onde a confiança brilhava. Admitia a existência de um osso graúdo na panela, e ninguém lhe tirava esta certeza, nenhuma inquietação lhe perturbava os desejos moderados. Às vezes recebia pontapés sem motivo. Os pontapés estavam previstos e não dissipavam a imagem do osso.” 56
56-57 A cachorra consola o menino mais velho, que está chorando.
57 “Diálogo” entre o menino mais velho e a cachorra: “O pequeno sentou-se, acomodou nas pernas a cabeça da cachorra, pôs-se a contar-lhe baixinho uma história. Tinha um vocabulário quase tão minguado como o do papagaio que morrera no tempo da seca. Valia-se, pois, de exclamações e de gestos, e Baleia respondia com o rabo, com a língua, com movimentos fáceis de entender.” 57
O menino mais velho percebe que ele vive no inferno. P. 61 inteira, do início ao fim.

64 o inverno vem com frio e rio, o oposto total da seca do verão.
63 – 64 Fabiano e sinha Vitória “conversando”... Importante notar isso. “Não era propriamente conversa, eram frases soltas, espaçadas, com repetições e incongruências. Às vezes uma interjeição gutural dava energia ao discurso ambíguo. Na verdade nenhum deles prestava atenção às palavras do outro: iam exibindo as imagens que lhe vinham ao espírito, e as imagens sucediam-se, deformavam-se, não havia meio de dominá-las. Como os recursos de expressão eram minguados, tentavam remediar a deficiência falando alto.” 64

A água também mata, mas não preocupa, ainda que temam a enchente. 65
“O rio subia a ladeira, estava perto dos juazeiros. Não havia notícia de que os houvesse atingido – e Fabiano, seguro, baseado nas informações dos mais velhos, narrava uma briga de que saíra vencedor. A briga era sonho, mas Fabiano acreditava nela.” 67
71 Eles indo à festa de Natal na cidade. Incomodados com as roupas e os sapatos.
“Sinha Terta achara pouca a fazenda, e Fabiano se mostrara desentendido, certo de que a velha pretendia furtar-lhe os retalhos. Em conseqüência as roupas tinham saído curtas, estreitas e cheias de emendas.” 72
74-75 A estupefação dos meninos diante de um mundo que subitamente alargara-se diante deles.

“Olhou as caras em redor. Evidentemente as criaturas que se juntavam ali não o viam, mas Fabiano sentia-se rodeado de inimigos, temia envolver-se em questões e acabar mal a noite.” “Era como se as mãos e os braços da multidão fossem agarrá-lo, subjugá-lo, espremê-lo num canto da parede.” “A sensação que experimentava não diferia muito da que tinha tido ao ser preso.” 75
“Comparando-se aos tipos da cidade, Fabiano reconhecia-se inferior. Por isso desconfiava que os outros mangavam dele. Fazia-se carrancudo e evitava conversas. Só lhe falavam com o fim de tirar-lhe qualquer coisa. Os negociantes furtavam na medida, no preço e na conta. O patrão realizava com pena e tinta cálculos incompreensíveis. Da última vez que se tinham encontrado houvera uma confusão de números, e Fabiano, com os miolos ardendo, deixara indignado o escritório do branco, certo de que fora enganado. Todos lhe davam prejuízo. Os caixeiros, os comerciantes e o proprietário tiravam-lhe o couro, e os que não tinham negócio com ele riam vendo-o passar nas ruas, tropeçando. Por isso Fabiano se desviava daquele viventes. Sabia que a roupa nova cortada e cosida por sinha Terta, o colarinho, a gravata, as botinas e o chapéu de baeta o tornavam ridículo, mas não queria pensar nisto.” 76
78 Desafia. Quer fazer asneira. Mas na verdade está só, ao lado da família apenas. “Estava disposto a esbagaçar-se, mas havia nele um resto de prudência. Ali podia irritar-se, dirigir ameaças e desaforos a inimigos invisíveis.” 78 Bêbado.

“Para a vida ser boa, só faltava a sinha Vitória uma cama como a de seu Tomás da bolandeira. Suspirou, pensando na cama de varas em que dormia. Ficou ali de cócoras, cachimbando, os olhos e os ouvidos muito abertos para não perder a festa.” 80-81 É sinha Vitória pensando.

Baleia nem ligou... “O menino mais velho agarrou-a. Estava segura. Tentaram explicar-lhe que tinham tido susto enorme por causa dela, mas Baleia não ligou importância à explicação. Achava é que perdiam tempo num lugar esquisito, cheio de odores desconhecidos. Quis latir, expressar oposição a tudo aquilo, mas percebeu que não convenceria ninguém e encolheu-se, baixou a cauda, resignou-se ao capricho dos seus donos.” 81
82 Os meninos surpresos com as coisas. “Como podiam os homens guardar tantas palavras?”
Baleia está doente. 85
“Ela era como uma pessoa da família: brincavam juntos os três, para bem dizer não se diferençavam, rebolavam na areia do rio e no estrume fofo que ia subindo [...]” 86
Todos ficam muito tristes por terem de matá-la. Os meninos ficam desesperados. 88
Fabiano “Reclamou e obteve a explicação habitual: a diferença era proveniente de juros.
Não se conformou:devia haver engano. Ele era bruto, sim senhor, via-se perfeitamente que era bruto, mas a mulher tinha miolo. Com certeza havia um erro no papel do branco. Não se descobriu o erro, e Fabiano perdeu os estribos. Passar a vida inteira assim no toco, entregando o que era dele de mão beijada! Estava direito aquilo? Trabalhar como negro e nunca arranjar carta de alforria!” 94
“Nem lhe permitiam queixas. Porque reclamara, achara a coisa uma exorbitância, o branco se levantara furioso, com quatro pedras na mão. Para que tanto espalhafato?” 95
96 O imposto sobre o porco.
“Supunha que o cevado era dele. Agora se a prefeitura tinha uma parte, estava acabado. Pois ia voltar para casa e comer a carne. Podia comer a carne? Podia ou não podia? O funcionário batera o pé agastado e Fabiano se desculpara, o chapéu de couro na mão, o espinhaço curvo”. 96
“Se lhe dessem o que era dele, estava certo. Não davam. Era um desgraçado, era como um cachorro, só recebia ossos. Por que seria que os homens ricos ainda lhe tomavam uma parte dos ossos? Fazia até nojo pessoas importantes se ocuparem com semelhantes porcarias.” 97
“sempre que os homens sabidos lhe diziam palavras difíceis, ele saía logrado. Sobressaltava-se, escutando-as. Evidentemente só serviam para encobrir ladroeiras. Mas eram bonitas.” 98
Fabiano, um tanto desanimado: “Agora não criava porco e queria ver o tipo da prefeitura cobrar dele imposto e multa. Arrancavam-lhe a camisa do corpo e ainda por cima davam-lhe facão e cadeia. Pois não trabalharia mais, ia descansar.” 98
Fabiano sente-se acuado pelas pessoas, a multidão. “O único vivente que o compreendia era a mulher. Não precisava falar: bastavam os gestos.” 98
O capítulo contas é, inteiro, perfeito.
“Sinha Terta é que se explicava como gente da rua. Muito bom uma criatura ser assim, ter recurso para se defender. Ele não tinha. Se tivesse, não viveria naquele estado.” 99

102 Depara-se com o soldado amarelo na catinga.
Fabiano “Tinha medo e repetia que estava em perigo, mas isto lhe pareceu tão absurdo que se pôs a rir. Medo daquilo? Nunca vira uma pessoa tremer assim. Cachorro. Ele não era dunga na cidade? não pisava os pés dos matutos, na feira? não botava gente na cadeia? Sem-vergonha, mofino.” 103

NOTAR AS INTERROGAÇÕES, FREQUENTES EM TODO O TEXTO E TAMBÉM NO ÚLTIMO PARÁGRAFO DA 103.

“Fabiano estirava o beiço e rosnava. Aquela coisa arriada e achacada metia as pessoa na cadeia, dava-lhes surra. Não entendia. Se fosse uma criatura de saúde e muque, estava certo. Enfim apanhar do governo não é desfeita, e Fabiano até sentiria orgulho ao recordar-se da aventura. Mas aquilo... Soltou uns grunhidos. Por que motivo o governo aproveitava gente assim? Só se ele tinha receio de empregar tipos direitos. Aquela cambada só servia para morder as pessoas inofensivas. Ele, Fabiano, seria tão ruim se andasse fardado? Iria pisar os pés dos trabalhadores e dar pancada neles? Não iria.” 105
“A idéia de ter sido insultado, preso, moído por uma criatura mofina era insuportável. Mirava-se naquela covardia, via-se mais lastimoso e miserável que o outro.” 106
“Recordou-se de lutas antigas, em danças com fêmea e cachaça. Uma vez, de lambedeira em punho, espalhara a negrada. Aí sinha Vitória começara a gostar dele.” 106
Fabiano sequer sabe a própria idade, e não tem espelho para ver os cabelos grisalhos. “Arruinado, um caco. Não sentira a transformação, mas estava-se acabando.” 106
“Tirou o chapéu de couro, curvou-se e ensinou o caminho ao soldado amarelo.” 107

110 As arribações e a reflexão de sinha Vitória, não compreendida a princípio por Fabiano.
Quando compreende, ri-se “encantado com a esperteza de sinha Vitória. Uma pessoa como aquela valia ouro. Tinha idéias, sim senhor, tinha muita coisa no miolo.” 110
114 4° parágrafo.
115 Fabiano pensando na cachorra Baleia.
“Não poderia nunca liquidar aquela dívida exagerada. Só lhe restava jogar-se ao mundo, como negro fugido.” 117
Fabiano sofre por ter de deixar a fazenda e, junto com ela, os sonhos que ela alimentara.
120-121-122 Enquanto retiram-se, conversam. Deste modo, o tempo passa mais rápido e o peso da caminhada torna-se menor. Caminham quase sem sentir. NOTAR ESTA FUNÇÃO DA LINGUAGEM.
“- O mundo é grande.
Realmente para eles era bem pequeno, mas afirmavam que era grande [...]” 123
123 O sonho de sinha Vitória para os filhos em terras distantes.

126 Os urubus dão raiva a Fabiano porque picam os olhos de quem já não pode mais se defender. NOTAR ESTA SIMBOLOGIA E COMPARAR COM O MITO DA CAVERNA DE PLATÃO.

“Não sentia a espingarda, o saco, as pedras miúdas que lhe entravam nas alpercatas, o cheiro de carniças que empestavam o caminho. As palavras de sinha Vitória encantavam-no. Iriam para diante, alcançariam uma terra desconhecida. Fabiano estava contente e acreditava nessa terra, porque não sabia como ela era nem onde era. Repetia docilmente as palavras de sinha Vitória, as palavras que sinha Vitória murmurava porque tinha confiança nele. E andavam para o sul, metidos naquele sonho. Uma cidade grande, cheia de pessoas fortes. Os meninos em escolas, aprendendo coisas difíceis e necessárias. Eles dois velhinhos, acabando-se como uns cachorros, inúteis, acabando-se como Baleia. Que iriam fazer? Retardaram-se, temerosos. Chegariam a uma terra desconhecida e civilizada, ficariam presos nela. E o sertão continuaria a mandar gente para lá. O sertão mandaria para a cidade homens fortes, brutos, como Fabiano, sinha Vitória e os dois meninos.” 127-128